O lado demonstrativo das
contradições
Na
inconciencia de nossos literatos sempre andou uma certeza : nós não
tomamos atitude na questão social nem ela nos interessa. A literatura é isto. Creação,
inspiração, arte pela arte, etc. Hoje quem repetir assim continua dizendo
bobagem.
Erigiu-se
na literatura chamada passadista, em maximo da atividade literaria o humorismo
de Machado de Assis, intelectual superior, com um desprêso absoluto pela
alegria e pela dôr, sorriso safado de quem comeu e não gostou, mas finge que
gostou. Essa literatura desestimulante, encontra mais tarde proseguidores nos
modernistas, devido muito á facilidade da linguagem que transformara em feição
humoristica o que se escrevia decalcando os modernistas estrangeiros. E Memorias sentimentais de João Miramar é
a prova mais forte dessa afirmação, em seu vasio de comentario inutil.
Entretanto,
o humorista sempre tomou partido, alguns póde muito bem ser que na inconciencia
da nossa profunda ignorancia coletiva, mas outros na pirataria nacional da
quasi colonia que precisava ir remando contra a maré enganando os trouxas entre
as duas margens, dum lado o clero doutro a autoridade. Essa Autoridade que
começava no funcionario publico de baixa categoria, que passava pelo soldado
razo e de que usufruiam gôso no pais feudal e pobre o filho das familias ricas
e as meretrizes dos homens importantes, o fazendeiro e o comerciante, o dono da
renda e o presidente da Republica. Doutro lado o padre, gosando e comendo o
Brasil por uma perna.
Mas
o humorista sempre soube esconder o seu jôgo melhor que os outros.
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Os
literatos do periodo do nosso romantismo e mais tarde do periodo do nosso
naturalismo eram grandemente amigos das classes que estavam de cima. Nas paginas
de Macedo e de Alencar, nas de Aluisio e de Raul Pompeia, a escravidão negra
era um mal necessário, a miseria da grande massa era hipócritamente ignorada, a
submissão do indigena era exaltada, a fome sexual reprimida por uma psicóse ou
sublimada no trama dos romances canalhas e superficiais. E assim por deante até
o nosso modernista que escreveu a historia da alemã profissional que ensinava
amor pro menino rico de Higienopolis. Literatos que recebia festinhas por isso…
Nenhum
desvio na róta.
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No
genero muito apreciado do ensaista, a pêna de Jackson de Figueiredo se enfeitou
com as galas da defesa diréta da igreja e de todo o seu obscurantismo, da
propriedade privada e da exploração do homem pelo homem.
Afogado
felismente Jackson de Figueiredo, outro ensaista Tristão Amoroso Lima de
Ataide, juntou besteira na defesa da classe de piratas a que pertence, como
grande industrial. Tornou-se o lider, o grande homem do clericalismo na terra. Deitou
artigos e se encheu de autoridade critica.
A
corrente antropofágica de São Paulo marcou época para os que tomaram parte nela
e ficou como ponto de referencia na evolução natural do pequeno grupo. Maria
Lôbo surgida depois com o seu livro desconcertante no equilibrio de uma linha
marcada a unhas e dentes, tomou o nome do parque industrial de S. Paulo
nos dando algumas aguas-fortes do que êle é em seu sub-solo inesplorado.
Dai
pra cá mais nada.
No
prefacio de Serafim a que me referi noutro dia, Osvaldo de Andrade agora escreve direito ainda por linhas tortas.
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Todas
essas diretrizes estão bem delineadas.
Hoje
nos encontramos num angustiosa encruzilhada pensando o que escrever. Se nunca houve
arte pela arte agora mesmo é que o concenito não cabe na camisa de onze varas em
que se meteu o mundo. O literato some. A literatura brasileira se satura de
livros de divulgação cientifica, e se esparrama nas traduções dos romances
sensacionais de todos os paises. Os literatos paulistas ficam nos artigos de
jornais. Alguns mais safados como Plinio Salgado, formam na corrente dos que
procuram a harmonia social, sob a tutéla do Estado integral, e são Gustavo Barroso,
Ribeiro Couto, etc.
O
que está faltando aos literatos do meu pais, são as diretrizes claras e
precisas impostas pelo momento historico universal.
Do
catolicismo á « melancia organica », citada pelo amigo Serafim. E dai,
o rumo para onde nos levam as consequências deste tempo do barulho é aquêle da
realidade objetiva da vida, no seu lado demonstrativo das contradições
economicas de todos os dias.
Geraldo Ferraz.
Texte
original (graphie non actualisée) tiré de :
O Homem Livre, São Paulo
1e
année, n° 9, 24 juillet 1933
rubrique
« Literatura », p. 3
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