Diretrizes
A
frase igual expressando a necessidade de « intervenção ativa » na
vida do tempo que eu escrevi no numero anterior desta seção, é de Gorki, em Eux et nous. Não representa entretanto
senão um pensamento muito generalizado e que os expressionistas da poesia alemã
de logo depois da guerra puzeram nos seus poemas « humanizadores »,
já que não puderam ir além. É assim Franz Werfel e outros. Dêle o poema do
desejo de ser parente do Homem, embora seja um negro, um acrobata, uma creança
de peito, uma jovem que canta, um soldado ou aviador de coragem encarniçada… Já
lembrei, no numero passado, o ponto de vista tambem « humanizador »
de Lima Barreto, em nossas letras. Êle queria muito a compreensão espiritual
dos homens. Mas sua pêna de humorista mergulhava muito fundo nessa « insondavel
burrice humana » e assim é que nem sempre o idealista conseguia fazer da
realidade de seus contos e romances esse elemento coordenador da ansia dos
homens, que êle visava. Sua excelência
é um importante exemplo de sua fôrça destruïdôra. Um parlamentar vai pra casa de
automovel e a um certo ponto começa a dormir e sonhar que éra o chofêr. Então,
chega na porta do Congresso e recebe servilmente o patrão… mas que delirante
poder de destruïção na trama dessas tres paginas lentas e perfeitas !
Em
mais de uma vez porém, Lima Barreto deixa patente como nunca em nossa
literatura a contradição fundamental da sociedade que analisa (ex. Clara dos Anjos).
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Isso
aconteceu ainda no romance escrito na banca de jornalista Numa e a ninfa em que focalisa aspectos interessantissimos do Rio
de Janeiro, realizando uma ampla e vigorosa demonstração caricatural mas
grandiosa do pequeno-burguês que vence na politica com os discursos escritos
pelo primo, amante de sua mulher…
Muitos
anos depois Osvaldo de Andrade escreverá Serafim
Ponte Grande que é a fotografia animada e comentada do pequeno-burguês « na
maré alta da ultima etapa ». Foi o escritor mais inteligente e imaginoso
que tivémos depois de Lima Barreto. Não pôde ainda passar definitivamente para
o lado da trincheira por lhe faltar base-ambiente. A sistematização da ironia
graça « piada » que êle conseguiu grudar no panorama de suas
possibilidades, é desses moldes que estão sempre fundindo a mesma coisa com a
insistencia de uma matriz de linotipo.
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Está
para aparecer o romancista que demonstre e vá acentuando em nossa « realidade
brasileira », — tão igual as outras realidades de outros países em seus
aspétos essenciais, todas as contradições econômicas qui crieam os conflitos
sociais, pronfundamente humanos sempre, quer seja a conseqüência do amor
insatisfeito, das ambições sem horizontes, da luta de classe, da revolta dos
oprimidos.
E
ao literato de hoje cabe ir entrando decisivamente nêsse terreno, porque é só
por êle que teremos uma literatura que corresponda efetivamente aos momentos
agitados da historia atual quando mais se aguçam aquelas contradições
fundamentais, na logica do desenvolvimento da sociedade capitalista.
A
literatura revolucionária em conteúdo, mas realista em sua mais ampla
compreensão dos acontecimentos que interessam ao homem de hoje — canalizados
todos nas linhas estruturais do regime em agonia, será essa. Desmascaramento audaz
e decisivo, Passageiros de 3a, Petroleo, Judeus sem dinheiro, e é Gold, Upton Sinclair, Kurt Kleiber.
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Naturalmente
é muito dificil que algum brasileiro logo vá publicando coisas revolucionárias
como êsses escritores que estão muito longe dos nossos estreitos grupinhos
intelectuais, onde sempre ha alguns caciques católicos e conseqüêntemente
cretinos. Essa suficiencia de cretinismo está como uma super-censura na porta
das redações dos jornais, onde se dá no Brasil o inicio da carreira literaria,
e tambem na porta dos editores, êsses individuos calculistas e ambiciosos, que
só querem fazer industria sem escrupulo algum e sem visão nenhuma. A gente que
lê vai aceitando tudo. Nas seções bibliograficas dos jornais de novo o
cretinismo o cretinismo católico e recalcado engole as iniciativas bem intencionadas
e glorifica as « obras » de Paulo Setubal, de Viriato Corrêa, de
Gustavo Barroso, de Menotti del Picchia e de outros heróis do romance das
bandeiras e de outras coisas movimentadas do nosso passado.
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Um
dêsses escritores me disse :
« A
receita é esta. Leia-se um pedaço de historia de S. Paulo, periodo das
bandeiras ou das bandalheiras de Pedro I. Depois se organize com apoio
nêsses dados historicos uma historia heróica ou picante, com alcôvas bem cheirosas.
Escrevam-se 300 paginas, e venda-se á Companhia Editora Nacional pela quantia
de 3:000$000. »
É
assim que se procede, criminosamente, ao envenenamento intelectual do leitor,
produzindo-se baboseiras para enriquecer editores. Fóra dessa literatura
sordida, os escritores de São Paulo não deram nêstes seis mezes de 1933 um
romance, um livro, um artigo, póde-se dizer…
Geraldo Ferraz.
Texte
original (graphie non actualisée) tiré de :
O Homem Livre, São Paulo
1e
année, n° 7, 8 juillet 1933
rubrique
« Literatura », p. 5
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